Não seja fiscal da leitura alheia...

outubro 13, 2025


O ano é 2025 e ainda tem gente que acha bacana opinar sobre a leitura alheia

Convenhamos que essa atitude, além de ser desagradável, é um tanto quanto desmotivadora. Falo isso, não somente como teóloga e estudante de biblioteconomia, mas principalmente como leitora — e alguém que incentiva leitura — seja aqui, nas redes sociais, ou pessoalmente. Estou sempre tentando incentivar as pessoas a lerem. 

O Instituto Pró-livro, na pesquisa “Retratos da Leitura”, traz um dado importante: brasileiros têm lido menos (muito menos). A pesquisa de 2024 mostrou que, atualmente, temos mais não leitores¹ do que leitores no Brasil:
a 6ª edição da Retratos da Leitura no Brasil aponta que 53% dos entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa. É a primeira vez na série histórica que o levantamento conclui que a maioria dos brasileiros não lê livros. ²
Há muitos fatores que podem estar contribuindo com o desgosto pela leitura. O primeiro — em minha humilde opinião, o mais óbvio — é que passamos muito mais tempo expostos a telas (de nossos smartphones, smart tvs, tablets e computadores) do que aos livros (e/ou leitores digitais como kindle ou kobo). Sabemos que o vício em telas prejudica progressivamente várias funções cognitivas como: atenção, concentração, aprendizagem e memória.

Os conteúdos rápidos disponíveis nas redes sociais liberam dopamina, atuando diretamente no sistema de recompensa (é como se, toda vez que víssemos algum conteúdo, abaixássemos a alavanca da máquina caça-níquel e ganhássemos o prêmio. Com a recompensa, apostamos de novo e de novo... nosso cérebro se acostuma a pedir mais e mais). 

~ Uma vez vi num documentário (talvez o Dilema das Redes? *) que o feed vertical, com sua rolagem infinita, foi inspirado justamente nas alavancas dessas máquinas. Verdade ou não, esse tipo de navegação é uma armadilha e tanto: a rolagem é infinita e nós ficamos infinitamente presos ali. ~

*Observação: Eu realmente não lembro de onde tirei essa informação. Tomara que não tenham sido as vozes da minha cabeça, risos.

O brasileiro passa, em média, 56% do seu tempo em frente às telas, cerca de  9 horas por dia.³  

Nem é preciso dizer muito, sobre como isso é prejudicial. Não é à toa que o termo “brain rot” (ou “cérebro podre”) foi escolhido como palavra do ano (2024), pelo Dicionário Oxford. O termo significa deterioração do estado mental causado por consumo de conteúdo de baixa qualidade na internet.⁴

Não é “engraçado” pensar que todos esses dispositivos inteligentes deixam a gente cada vez menos smart? 

O segundo fator, apontado pela própria pesquisa, é: falta de tempo. 33% dos não leitores afirmam que não lêem por falta de tempo — me questiono sobre isso. Claro que todo contexto precisa ser levado em consideração, afinal, nem todo mundo tem as mesmas 24 horas. Mas, será que não conseguimos dedicar, ainda que poucos minutos, à leitura? (não falo de horas, falo de tirarmos entre 20 a 30 minutos, ou uma página por dia).

Pare rapidinho sua leitura, eu te espero.

Agora, verifique quanto tempo você passa nas redes sociais. Será que, das possíveis 1 ou 2 horas diárias que você passa em sua rede social favorita, você não poderia tirar alguns minutos para ler? Talvez, se dedicássemos 30 minutos diários à leitura (das 9h divulgadas pela USP), teríamos um número de leitores maior.

O terceiro motivo, também apontado pela pesquisa: as pessoas não gostam de ler. 32% dos não leitores afirmam que não lêem porque não gostam. Com esse dado aí, a gente junta as mãos e chora. 

Será que as pessoas não gostam de ler, ou pensam que a leitura é um processo chato, tedioso e enfadonho? Por exemplo: quando alguém lê uma thread no Twitter com 10 partes, essa pessoa está, sim, realizando um movimento de leitura. O mesmo acontece ao assistir a um vídeo no TikTok em que o criador pede para ler a legenda. Até mesmo um Reels legendados exigem leitura. Assistir à série favorita, ao dorama do momento ou jogar um game com legendas, tudo isso são formas de ler.

Talvez, o que as pessoas não saibam é que: existem vários tipos de livros, leituras e formas de ler. Então, não é que você não goste de ler, é porque você ainda não descobriu que tipo de leitura te faz bem. Mas esse papo específico vai ficar para outro dia, porque o foco aqui é outro: ser sommelier da leitura alheia.

Nem todo mundo tem literatura básica na escola. Eu, por exemplo, não tive, ou seja, não li os grandes clássicos da literatura brasileira e nem fui incentivada a lê-los — pois é, gente, a educação no Brasil não é padronizada. Mas fico muito feliz quando vejo projetos literários em escolas. O incentivo é tudo!

Minha vivência nesse sentido foi empobrecida. É realmente uma pena, porque temos autores maravilhosos e obras fantásticas — e sim, eu vou organizar um tempo para lê-los. Mas, ao longo da minha jornada, me debrucei sobre outras literaturas das quais, naquele momento, tinham mais conexão e sentido para mim.

Ler não precisa ser enfadonho. Sempre digo isso aos amigos cristãos que querem ler a Bíblia: ler a Bíblia não precisa ser chato! Não fui uma leitora voraz na minha adolescência. Na juventude, lia um livro ou outro, mas as coisas começaram a ficar mais frequentes quando comecei a fazer várias leituras da Bíblia durante o ano. Fui aprofundando meus estudos, com isso comecei a comprar livros de apoio, até que entrei na faculdade, me formei e, desde então, todos os meses eu compro livros. Hoje, a leitura faz parte da minha aprendizagem contínua.

Qual é a minha questão aqui?

Precisamos encontrar sentido naquilo que lemos. Não estou dizendo sobre entender e interpretar as palavras somente, mas, sobre aquela literatura encontrar sentido na nossa vida, na nossa rotina, no nosso dia a dia, de maneira que o livro seja abraçado por nós e desfrutemos da sua companhia agradável e não de uma companhia enfadonha (afinal, se a gente não suporta nem ficar perto de gente chata, quem dirá de livro chato).

Acredito que não exista livro que não deva ser lido (no sentido de ser proibido). Tudo deve ser avaliado. Nós, cristãos, avaliamos as coisas pelo olhar de Cristo. Obviamente, eu não recomendaria leituras com conteúdo sexual explícito/implícito (ou algo semelhante), mas posso indicar ótimas ficções cristãs (que são engraçadas, apaixonantes, tristes, motivadoras ou aterrorizantes).

Entendo que a experiência de leitura é muito pessoal, e às vezes, a pessoa vai querer ler, por exemplo, Café com Deus Pai — e tá tudo bem.

* Uma observação: como sou teóloga e cristã reformada, vira e mexe aparecem umas ratazanas questionando minha formação e o quanto eu entendo de Bíblia ou teologia. Não estou aqui referenciando Café com Deus Pai como uma grande obra teológica cristã, o meu ponto não é esse, mas sobre incentivo à leitura.

Nunca li Café com Deus Pai, sei que se trata de um livro devocional (que é fenômeno de vendas, sendo atualmente um dos livros mais vendidos do Brasil). Geralmente eu tenho outras preferências, busco autores que estão mais alinhados a minha confissão de fé, mas talvez, Café com Deus Pai seja a porta de entrada para outros livros. Na situação de leitura atual, é melhor ler ele, do que livro nenhum.

Ah, mas é um livro ruim... Existem livros melhores!”
Concordo, existem livros melhores... Mas a experiência de leitura é individual e multifatorial — com isso quero dizer que, às vezes, o que é bom para mim pode ser ruim para você.

Talvez, a pessoa comece com Café com Deus Pai, depois leia outro livro e tenha condições de avaliar, dentro daquilo que ela foi adquirindo como repertório, o que é melhor (leitura é construção, ninguém começa por Hamlet). 

Nós, às vezes com nossas opiniõezinhas, desmotivamos mais do que ajudamos. Ser um incentivador da leitura não é criticar de forma descabida — no sentido da crítica pela crítica — mas apontar um caminho. Ao invés de criticar quem lê Café com Deus Pai, por que não aproveitamos que há interesse por esse tipo de leitura, e recomendamos livros similares? Esses dias, algo parecido aconteceu, indiquei o devocional do Tim Keller para alguém que tinha acabado de concluir a leitura de Café com Deus Pai. 

Dentro desse assunto (ler ou não ler), ainda tenho muitas observações e ressalvas para fazer (e elas não cabem todas aqui, então não crie opiniões baseadas num só post). Acho importantíssimo respeitar as faixas etárias, alertar quando o livro apresenta temas sensíveis e que podem gerar gatilhos. 

Mas, o essencial é: não seja fiscal da leitura dos outros  — a não ser que o outro seja alguém sob sua responsabilidade, como seu filho ou filha, aí sim é, não é apenas recomendado, mas obrigatório verificar o que ele anda consumindo. 

Percebo que, muitas das vezes, usamos das nossas preferências pessoais para sermos intolerantes — e muita das vezes babacas — com os outros. 

Incentive. Aponte caminhos. E celebre cada início, mesmo que não seja como você imagina. 

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 📚 Fontes e leituras complementares: 

** Este texto foi revisado com o apoio do chatgpt, utilizado exclusivamente para correção ortográfica e gramatical, mantendo-se inalterado o estilo e a autoria do conteúdo.

¹ A pesquisa entende uma pessoa não leitora como aquela que não leu nenhum livro, ou parte de um livro, nos últimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses.

² G1. O Brasil que lê menos: pesquisa aponta que país perdeu quase 7 milhões de leitores em 4 anos. G1, 19 nov. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2024/11/19/o-brasil-que-le-menos-pesquisa-aponta-que-pais-perdeu-quase-7-milhoes-de-leitores-em-4-anos-veja-raio-x.ghtml. Acesso em: 15 mai. 2025

³ USP. Brasileiros passam, em média, 56% do dia em frente às telas. Jornal da USP, 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/brasileiros-passam-em-media-56-do-dia-em-frente-as-telas-de-smartfones-computadores/. Acesso em: 15 mai. 2025.

⁴ ESTADÃO. “Brain rot” é a palavra do ano, segundo o dicionário de Oxford. Estadão – Link, 2024. Disponível em: https://www.estadao.com.br/link/cultura-digital/brain-rot-e-palavra-do-ano-segundo-o-dicionario-de-oxford-entenda-o-que-e-isso-nprei/. Acesso em: 15 mai. 2025.

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